Confissões do Inexplicável

Confissões do Inexplicável, com histórias escritas num intenso período de seis anos, é a mais robusta coletânea de um autor brasileiro de ficção científica já publicada. Suas histórias atestam a boa forma de um escritor que contribuiu como poucos para o avanço da ficção científica nacional, numa carreira que se expande desde o final da década de 1950.

Autor de obras audaciosas no conteúdo e na forma, André Carneiro expressa suas idéias com poesia, sensualidade, ironia e originalidade reconhecidas no Brasil e no exterior. Seus enredos atmosféricos parecem representar os espaços da mente, tanto quanto o palco físico para a ação dos personagens. Um dos poucos autores brasileiros do gênero com carreira internacional, tem contos e romances publicados nos Estados Unidos, Inglaterra, Argentina, Espanha, Suécia, Japão e outros países. Sua carreira, como poeta e ficcionsita, tem sido assunto de estudos universitários.

A prosa e a abordagem literária de André Carneiro apelam simultaneamente aos sentidos e ao intelecto, nas 27 narrativas deste livro. São contos e novelas que vão da ficção científica ao horror e ao suspense literário, todos narrando a intrusão do inusitado no cotidiano, para refazer nossas certezas quanto às regras sociais ou à moralidade pequeno-burguesa. Ficção e realidade confundem-se, e a identidade dos personagens é alterada pelos desenganos da memória ou por relacionamentos que os libertam das amarras sociais e os apresentam aos mistérios da simplicidade ou da magia.

Para introduzir esta edição, parte do selo Pulsar, destinado ao melhor da ficção científica, a Devir Livraria convidou o jornalista Dorva Rezende, editor de cultura do Diário Catarinense e autor de uma dissertação sobre a ficção científica de André Carneiro, junto à Universidade Federal de Santa Catarina.

Também um poeta da Geração de 45, artista plástico, ensaísta, cineasta e publicitário, André Carneiro atualmente vive em Curitiba, Paraná. Outros livros de ficção científica de sua autoria são Diário da Nave Perdida (1963), O Homem que Adivinhava (1996), Piscina Livre (1980) e Amorquia (1991).

André Carneiro
André Carneiro nasceu em Atibaia – SP. Cedo, interessou-se pelas Artes. Em 1949 foi o criador – juntamente com sua irmã, Dulce Carneiro, e César Memolo Júnior – da revista literária Tentativa, de cunho independente e eclético. Apresentada por Oswald de Andrade e ilustrada por Aldemir Martins, contou com a colaboração inédita dos maiores escritores e críticos literários da época. Tinha correspondentes em Paris, Lisboa e Buenos Aires. Como poeta, Carneiro teve sua obra estudada na Tese de Mestrado de Osvaldo Duarte, tendo alcançado grande reconhecimento com os livros Ângulo e Face (1949) e Espaçopleno (1963) – foi chamado pelo crítico francês Bernard Diez de “um dos dois maiores poetas vivos do Brasil”.

Como escritor de fc, André Carneiro estreou juntamente com a chamada Geração grd, de autores incentivados pelo editor Gumercindo Rocha Dorea. Seu primeiro conto de fc, “O Começo do Fim”, publicado em O Estado de S. Paulo, recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras. Foi na EdArt, de São Paulo, que ele publicou suas coletâneas de contos, Diário da Nave Perdida (1963) e O Homem que Adivinhava (1966), demonstrando preocupações sociais e humanas que iam além dos seus contemporâneos. A primeira traz o seu clássico, “A Escuridão”, reconhecido internacionalmente (selecionado como um dos melhores do ano, pela Editora Putnam), e a segunda recebeu o prêmio de Melhor Livro do Ano, conferido pela Câmara Municipal de São Paulo em 1966. A década de 1960 trouxe ainda o seu influente ensaio, Introdução ao Estudo da “Science Fiction” (1967), o primeiro da América Latina, segundo pesquisadores.

Em 1980, Carneiro publica seu primeiro romance, Piscina Livre, simultaneamente no Brasil e na Suécia. O livro substancia uma subversiva história do futuro expressa como utopia de amor livre, continuada em 1991 com Amorquia, motivo central de tese de doutorado de Ramiro Giroldo. Novos contos nessa história do futuro aparecem em A Máquina de Hyerónimos e Outras Histórias, de 1997.

A fc de Carneiro aborda as incertezas da cognição e a realidade como objeto mutável. Um dos poucos brasileiros com carreira significativa no mundo da ficção científica internacional, publicou em doze países. (Os direitos de filmagem de “A Escuridão” foram vendidos em 2006 para o cinema espanhol).

Freqüentemente seus contos combinam fc, realismo fantástico e erotismo, e são especialmente instigantes ao descreverem pessoas comuns transformadas pelo contato com o extraordinário. Pioneiro da arte fotográfica brasileira, também cineasta, artista plástico, hipnólogo, publicitário e membro da resistência contra o golpe militar, Carneiro explora intensamente sua experiência de vida, em sua literatura.

Henrique Alvim Corrêa
Atualmente considerado no Brasil como um pintor pré-modernista, Henrique Alvim Corrêa foi o primeiro ilustrador brasileiro de ficção científica. Em 1892, então um adolescente de 16 anos, mudou-se para a Europa. Era enteado do Barão de Oliveira e Castro, um monarquista que deixava para trás um Brasil recém-tornado republicano. A Bélgica foi o lugar que Alvim Correa escolheu para se estabelecer como pintor e retratista de cenas de batalhas – e também como artista erótico, assinando “Henri LeMort”.

Em 1903, Alvim Corrêa foi para Londres para tratar com H.G. Wells e pedir a ele autorização para uma edição de A Guerra dos Mundos com as suas ilustrações. Seus esboços impressionaram muito a Wells, particularmente por suas qualidades alucinatórias e assustadoras. Publicada na Bélgica em 1906, essa edição especial – de apenas 500 exemplares em tradução para o francês feita por Henry Davrey – fez de Alvim Corrêa um dos melhores e menos conhecidos dentre os primeiros ilustradores de Wells. Naquela época, o artista brasileiro recuperava-se de tuberculose.
Suas 23 artes em grafite e tinta para A Guerra dos Mundos são sedutoras e chocantes, podendo ser cômicas ou repletas de atmosfera – como a imagem selecionada para a capa de Confissões do Inexplicável.

Algumas artes sobreviventes, dentre essas pranchas, abriram a seção de Arte Moderna da exposição Brasil 500 Anos, em São Paulo. Mais recentemente, foram expostas no Science Fiction Museum, em Seattle, EUA, em outubro de 2004. Foi a primeira exposição montada no museu que fora inaugurado em junho do mesmo ano.
Alvim Corrêa faleceu em 1910, aos 34 anos.

Crítica especializada
“Um autor de quem se pode dizer que deu o salto internacional: tem pelo menos um trabalho traduzido e publicado em volume dos Melhores do Ano, nos Estados Unidos, ao lado de verdadeiras sumidades da ficção científica. Poeta e ensaísta, estudioso de assuntos científicos, sua ficção se coloca na linha evolutiva que, abandonando o deslumbramento tecnológico inicial, avança para a consideração dos problemas humanos sob o ‘choque do futuro’.” – Fausto Cunha

“André Carneiro é, sem contestação, o autor de FC de mais prestígio em seu país. Artista polivalente, brilhante e reconhecido poeta, sua obra vem sendo publicada na Argentina, Alemanha, Bélgica, Bulgária, Espanha, Inglaterra, Portugal, Estados Unidos (onde, em uma antologia universitária, saiu ao lado de escritores como Chekov, Brecht, Huxley, Lawrence), Japão, Suécia, etc…” – Bernard Goorden

“Em contos em que o terror e o suspense dominam o leitor, como em ‘Começo do Fim’ e ‘A Escuridão’, a atmosfera nos leva a pensar no Kafka de O Processo e de A Metamorfose.” – Alcântara Silveira

“Observa-se que a impressão e o fascínio das histórias de André Carneiro decorrem precisamente da aliança de um fantasista e um pensador, um poeta e um analista sutil.” – Leonardo Arroyo

“Domínio admirável do estilo, idéias humanistas e um enfoque original. É o mais destacado escritor latino-americano de ficção científica.” – Daniel Barbieri