Deadly Class – Vol. 1

INTRODUÇÃO A DEADLY CLASS ou TUDO QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE O BRUTAL ÉPICO EM QUADRINHOS DE RICK REMENDER E WES CRAIG

A série live action baseada na HQ Deadly Class, criada por Rick Remender e Wes Craig, estreou na TV no canal SyFy (nos EUA) em janeiro de 2019. O programa segue os cinco anos (ou sete volumes) de material original em quadrinhos, com cores de Lee Loughridge e Jordan Boyd e edição de Sebastian Girner. Esse épico é estrelado por um grupo de adolescentes problemáticos treinando para se tornarem assassinos de carreira numa escola brutalmente competitiva escondida entre as ruas de São Francisco. Depois de meia década de viradas, triângulos amorosos e power chords, reunimos aqui tudo que você precisa saber para começar a acompanhar umas das mais intensas e arrebatadoras experiências disponíveis na arte sequencial.

Cuidado, spoilers!

OS ANOS 80

O primeiro volume de Deadly Class se chama “Os filhos de Reagan”, e esse título dá uma ideia do contexto da história e de sua estética singular, trazida a vida com dinamismo por Wes Craig e Lee Loughridge. Reagan Youth – no original – também é o nome de uma consagrada banda punk, mas vamos falar disso a seguir. A jornada de Remender começa com Marcus Lopez, um órfão sem teto relembrando como uma mulher mentalmente doente matou seus pais depois de saltar da ponte Golden Gate. Marcus, entretanto, não culpa a mulher; a tragédia é consequência do abandono de instituições de tratamento mental durante o mandato de Ronald Reagan. Especificamente a Lei de Reconciliação do Orçamento de 1981 que revogava a Lei de Sistemas de Cuidados Mentais do presidente Carter e indiretamente levou a morte os pais de Marcus. A legislação alterou a responsabilidade do governo no cuidado dos doentes mentais, empurrando o problema para os estados, eventualmente forçando os pacientes de instituições federais a viver nas ruas – o que deu início à “epidemia” de moradores de rua na Califórnia. Como resultado, Marcus jurou assassinar o presidente Reagan, dando início a sua futura educação na Escola de Artes Mortais dos Reis Soberanos.

O artista Wes Craig e o colorista Lee Loughridge são adeptos do visual limpo, hiperestilizado – e vibrante – típicos da década. Loughridge lança mão da iluminação para dar o clima, indo de rosas febris a azuis narcóticos, verdes doentios e amarelos tensos. Sua colorização evita gradientes e se concentra em preenchimentos uniformes de neon com pinceladas de texturas em meio-tom. É uma evolução bela e agressiva do trabalho de artistas como Patrick Nagel, famoso por suas capas para os discos do Duran Duran. Boyd continuou com a mesma pegada quando ele assumiu as cores a partir da edição 15.

Craig, recém-saído de sua compilação Blackhand Comics, usa uma inspirada gama de planos, desde grandes cenas abertas até super close-ups, formatados em uma diagramação inventiva. Ele não tem medo de usar texto no espaço negativo ou distorcer a perspectiva quando os personagens de Deadly Class caem em buracos alucinógenos. A estética mantem a pegada de filme blockbuster, ao lado da grandiosidade pura da década e tudo que ela anunciava.

Deadly_Class_pg131-2

AS RAÍZES DO PUNK ROCK (E ALÉM)

Tanto Rick Remender quanto Wes Craig dizem que Deadly Class não existiria sem o punk rock e sua influência ensurdecedora pode ser sentida em cada quadrinho da HQ. O quadrinho está repleto de referências ao punk e outros ícones dos anos 80. Marcus, o solitário à margem da sociedade que se rebela contra todas as formas de autoridade, é um avatar do punk rock desde o momento em que o leitor o vê pela primeira vez. Ele leva a insatisfação adolescente a um nível ácido enquanto cospe na cara da polícia, da escola e de seu diretor – o Mestre Lin – que tenta recrutá-lo. Logo ele descobre que o patriarca dos Reis Soberanos está tentando moldar os garotos em estereótipos, impondo sua visão de mundo imoral e insana aos seus alunos, à medida em que eles lutam para se afastar dos papéis que eles receberam de uma geração mais velha e podre, presa a tradições.

Da camisa dos Sex Pistols da Lex ao pôster dos Bad Brains na loja de quadrinhos onde Marcus trabalha, o punk rock é o éthos onipresente de Deadly Class, com títulos e enredos inspirados diretamente pelo movimento. Como mencionado antes, o primeiro volume e o piloto da série do SYFY se chamam “Os Filhos de Reagan” (Reagan Youth no original), como homenagem à influente banda punk de Nova York. O segundo volume, “Kids of the Black Hole”, faz referência a uma canção dos The Adolecents, banda que Saya e Marcus vão assistir no mesmo volume. A banda da Califórnia toca essa música ao vivo enquanto o par romântico dança no lendário The Fillmore.

Para aprofundar a conexão, Henry Rollins, ex-vocalista do Black Flag, músico solo, poeta, fotógrafo e ator, está na série do SYFY no papel de Jürgen Denke, professor de envenenamento. Para escutar (em inglês) Remender e Rollins conversando sobre seu amor pelo punk, ouça o episódio de estreia do podcast Mirror/Image.

https://soundcloud.com/user-319448852/henry-rollinsrick-remender

Remender ainda faz uma apaixonada homenagem ao B-52, a inovadora banda pop de Athens, Geórgia, mais pra frente na série, quando um fã de música aleatório descreve o grupo como “um bando de garotos da escola de arte… gravando uma mistura de doo-wop e surf music com excêntricas letras psicodélicas” para um condescendente funcionário da loja de discos. A HQ também homenageia o Killing Joke, The Damned, The Cure, The Smiths, Love and Rockets, Bad Religion e muitas (muitas mesmo) bandas de metal (e de outros estilos) no decorrer da série.

A PANELINHA DO CRIME

Uma escola dedicada ao treino de jovens em todos os assuntos relacionados a assassinatos, a Escola dos Reis Soberanos é a principal incubadora do submundo do crime internacional. Para que o Mestre Lin garanta que até os níveis mais baixos da sociedade tenham poder, nenhuma organização criminosa é excluída da escola, com estudantes refletindo as diferentes associações sócio-políticas. Saya e sua katana representam a Yakuza – especificamente o Sindicato Kuroki –, ganhando destaque no curso da HQ. Já Maria é uma órfã que foi acolhida por um cartel de drogas da América Latina e agora está com os Soto Vatos.

O fantasma da Guerra Fria tem forte presença na série, com Viktor (o aluno russo), e Helmut (o novo aluno) encarnando facetas distintas da grande influência da União Soviética. Helmut vem da Alemanha dividida enquanto Viktor tem ligações com a KGB e se diz filho do maior assassino de Joseph Stalin. Apesar de não estar diretamente ligado à União Soviética, Quand, o fã de rockabilly, é basicamente um produto da Guerra Fria, uma extensão das persistentes feridas da Guerra do Vietnã e do tráfico de heroína que ganhou destaque global durante o longo e sangrento conflito.

Vários aspectos da vida das gangues americanas também são representados na escola, da conflituosa moral do angelino Willie até Brandy, produto de brutais supremacistas brancos do extremo sul dos EUA, que está sempre em conflito com os estudantes de mente mais aberta.

Deadly_Class_pg106-min

VIAGEM EXTRACURRICULAR

Com seu elenco de personagens internacionais, Deadly Class rapidamente faz uso de sequencias de flashback – apresentadas em uma paleta de cores melancólicas e suaves – para que os personagens principais mostrem seu passado e suas motivações mais profundas para o leitor. A gama de origens diferentes permite que Remender e Craig recheiem a história com cenários variados, que vão muito além dos confins de São Francisco e da escola.

A educação que Saya recebeu em uma família da Yakuza é justaposta contra as experiências de Maria nos cartéis do México. Zanzele, a novata, possui seu próprio passado sombrio na África do Sul durante o apartheid. Mais detalhes sobre ela serão revelados em volumes futuros e ficará cada vez mais claro que todos os personagens são assombrados por seus passados.

A natureza itinerante da série não se restringe somente aos flashbacks. No espírito da rebeldia da juventude, os estudantes frequentemente saem da escola para passeios com consequências sanguinárias. Em uma de suas primeiras escapadas, Marcus leva seus amigos para uma aventura em Las Vegas no melhor estilo Medo e Delírio, culminando no hotel Circus Circus onde tanto Hunter S. Thompson quanto Rick Remender se hospedaram. No arco de histórias mais recente, “Love like blood”, assistimos uma longa estada em Puerto Penasco, México, onde o passado de muitos personagens dá as caras e dois protagonistas afastados retornam. No mundo de Deadly Class, a morte não respeita fronteiras.

A NOVA TURMA

A equipe criativa de Deadly Class não foge das terríveis ramificações que os alunos e os Reis Soberanos enfrentam – a expulsão da escola costuma ser fatal. Contrariando seu discurso inicial sobre o empoderamento dos segmentos mais marginalizados da sociedade, o Mestre Lin ordena que os alunos oriundos de gangues e sindicatos estabelecidos assassinem os “ratos” – estudantes que vieram de grupos com menor influência sem o apoio de organizações criminosas maiores.

Depois que esses eventos se desenrolam no volume quatro – “Die for me” – a HQ chega a setembro de 1988 e apresenta a nova classe de calouros da Escola de Artes Mortais dos Reis Soberanos… e eles são maravilhosos. Essa safra de pupilos assassinos possui uma ampla variedade de culturas como a turma anterior. A Zenzele vem da África do Sul e, da mesma forma que Marcus, se irrita com a moralidade ambígua de sua nova escola. Uma cristã fundamentalista, ela frequentemente escreve cartas para seus pais com segredos picantes que dão pistas de problemas internos que serão revelados futuramente. Helmut, o alívio cômico flatulento (e amante do metal) vem do Exército Nacional Popular da Alemanha Oriental, carrega um machado e não se dá bem com Viktor. Quan, o fã de rockabilly, foi criado no Vietnã e no Camboja e acabou preso em uma rede de alianças conflitantes. Tosawhi é um skatista punk comanche do norte do Texas cuja natureza amarga esconde sua profunda desconfiança da autoridade. Finalmente temos Cormac, um irlandês que tem uma memorável, apesar de breve, passagem antes de testar a paciência do Mestre Lin.

Esses personagens serão parte importante no decorrer da história, “Love like blood”, quando eles brigam com a Yakuza e entram na vida dos personagens do primeiro ano.

Deadly_Class_pg55-2

FORA DO PAPEL

A primeira temporada da série live action de Deadly Class começou a ser exibida em janeiro de 2019 pelo canal SYFY. .

O elenco conta Benedict Wong (Mestre Lin), Benjamin Wadsworth (Marcus), Lana Condor (Saya), Maria Gabriela de Faria (Maria) e Luke Tennie (Willie). A produção executiva é do próprio Rick Remender (que escreve dois episódios dessa temporada).

Ouça nossa playlist no Spotify, clique aqui.