Reversíveis

AMAR É ABRIR-SE PARA O DESCONHECIDO

Este livro contém três peças longas de Nick Farewell, além de um (híbrido) conto-peça e um apêndice com três peças curtas. A reunião destas obras, todas de vocação cênica, desvela as obsessões e as diferenças que habitam o trabalho do autor, nos apresentando um escritor de romances (carreira na qual Farewell compôs uma série de obras bem-sucedidas) que também consegue agir esteticamente como dramaturgo de imaginação singular.

O amor é a temática recorrente: sua atração irresistível, sua impossibilidade fatal. Diferentes formas de atração e entrega, todas apontando para a percepção de que o amor é como uma curiosidade incontrolável: abertura radical para o desconhecido. O amor nasce, nestas obras, como um ponto de fuga para vidas estabilizadas – e se instaura como uma irreprimível zona de instabilidade e vertigem, arrastando as personagens para fora de suas zonas-de-conforto e remodelando imprevisivelmente seus destinos.

Em MOMENTUM, um homem desenvolve o estranho poder de existir consciente e simultaneamente em diversos tempos e espaços, fazendo de sua vida uma perfeita equação e de sua trajetória, a de uma bala disparada rumo a um certeiro objetivo. Mas há sempre variáveis, e ganhar o mundo talvez implique perder a possibilidade do amor (o desconhecido que só pode se presentificar como fruto do acaso, do imprevisível, do que não se controla). Ter o controle do passado, presente e futuro talvez seja eliminar o amor do campo de nossas possibilidades…

Temos, depois, a construção de duas terríveis distopias: em O GAROTO-MOEDA, uma meta-humanidade habitante de países-empresa precisa pagar para sentir o que quer que seja. Hipérbole expressiva que, apocalipticamente, fisicaliza descaminhos que já principiamos a percorrer… 60 SEGUNDOS DE AMOR corrobora a tese da peça anterior: sob um controle absoluto do Estado, que determina até mesmo o sentido da vida, resta a droga do amor para nos acalmar – mas sempre por apenas 60 segundos, transformando a fugacidade das relações contemporâneas em imperativo legal.

O conto-peça ROMANCES IMPOSSÍVEIS é um engenhoso sistema de cenas curtas que se associam em uma gestalt de beleza terna, suave, comovente. Um pedido sincero do autor por um olhar desarmado em direção ao próximo.

O livro possui um apêndice no qual estão presentes as três peças curtas BEM-ME-QUER, MALMEQUER; MEU REI; e ONDE O AMOR TERMINA. As duas primeiras apresentam situações épicas e imaginativas, de alcance simbólico, nos defrontando com ressignificações do senso-comum em relação a temas como Bem, Mal e Poder, através de alegorias dramatúrgicas que remetem às Moralidades do teatro medieval (evidentemente problematizadas aqui). Já o último texto promove uma estranha síntese – o amor e a política (nossas ações no mundo): de que modo estas instâncias se relacionam, em que medida são indissociáveis? Assim como nas peças anteriores, o amor se coloca aqui não como uma ideologia, mas como um posicionamento existencial radical. Nick Farewell parece nos dizer, através de sua dramaturgia multifacetada (e paradoxalmente obsessiva) que, se nos comprometermos com o amor, tudo se transformará – de modo imprevisível, insuspeitado e revolucionário, sobretudo para os que amam.