Mar de Salton – energia geotérmica e lítio
O Mar de Salton é uma massa de água única localizada na Califórnia, perto da fronteira com o México. É também uma possível solução para um dos maiores desafios da humanidade: a transição para novas fontes de energia.
A emergência climática nos obriga a abandonar rapidamente o uso de combustíveis fósseis. Felizmente, temos uma solução: energias renováveis. Até muito recentemente, quando se falava em energias renováveis, tínhamos de nos limitar basicamente a construir reservatórios que nos permitissem aproveitar a força do fluxo da água para gerar eletricidade. Já a energia solar e eólica são apontadas como as novas rainhas do setor energético para os próximos anos, pois podem ser instaladas em qualquer lugar e, mais importante, são as formas mais baratas de produzir energia elétrica. No entanto, existe outra fonte de energia renovável que até recentemente era menos considerada e que agora tem vindo a ganhar destaque: a energia geotérmica, que aproveita o calor do interior do nosso planeta.
De onde vem esse calor? A maior parte desse imenso calor – que pode chegar aos 6.000 ºC (10.000º F), semelhante ao da superfície do Sol – vem do momento em que o nosso planeta foi formado. Corpos celestes (alguns tão grandes quanto o planeta Marte) colidiram e depois se uniram à Terra no processo da criação. Esses impactos libertaram quantidades incríveis de energia (calor), que foi mantida no interior do nosso planeta desde então. Outra fonte dessa energia interna são as mudanças físicas e químicas que foram acontecendo com o crescimento da Terra e que, devido às enormes pressões dentro do planeta, geraram calor. A fonte mais importante de calor é a radioatividade natural. Uma pequena parte dos átomos nas rochas dentro da Terra são instáveis e naturalmente se dividem para se transformar em átomos estáveis. Quando se separam, libertam energia, que se acumula no interior do nosso planeta.
O resultado de tudo isto é que, se estivermos na superfície da Terra e fizermos um furo, a temperatura aumentará progressivamente quanto mais fundo formos. Esse aumento proporcional é conhecido como gradiente geotérmico e tem um valor de 25-30ºC (77- 86º F) por cada quilómetro (0,62 milhas) que descemos. No entanto, existem certos pontos no planeta que são extraordinariamente quentes perto da superfície. Estes geralmente coincidem com as extremidades das placas tectónicas, onde existe uma maior concentração de vulcanismo. A presença de magma próximo à superfície, cuja temperatura varia entre 700 e 1200ºC (aprox.1300-2200ºF), permite que, sem ter de perfurar muito, possamos atingir rapidamente rochas cujas temperaturas chegam a centenas de graus. As regiões com essas características são as preferidas para a construção de centrais geotérmicas para produção de energia elétrica.
Este tipo de central eléctrica aproveita a água subterrânea nessas áreas que ultrapassa os 100ºC (212ºF) e se transforma naturalmente em vapor, que é canalizado pelos furos e usado para girar turbinas que, por sua vez, geram eletricidade. Para afetar os aquíferos o minimamente possível, outra opção é extrair energia do vapor por meio de um permutador de calor, para que a água volte ao estado líquido e possa ser devolvida ao subsolo onde aquecerá novamente e iniciará o um novo ciclo. Nas áreas onde a água está próxima dos 100ºC, mas não se transforma em vapor, o líquido pode ser bombeado para extrair o calor. Se não houver água subterrânea suficiente, é possível injetar água fria (de um rio, por exemplo) no subsolo para que seja aquecida pelas rochas circundantes e, a seguir, realizar o mesmo ciclo descrito acima.
A vantagem da energia geotérmica é que ela permanece constante ao longo do dia e do ano. A desvantagem é que existem poucos lugares do nosso planeta onde nós podemos aproximar dessas altas temperaturas subterrâneas, portanto a oferta é limitada. É por isso que muitos países escolhem energia solar e eólica. Mas ambas as opções têm um problema: são intermitentes. Não há sol à noite e há momentos durante o dia em que o vento não sopra. Para resolver isso, precisamos armazenar eletricidade e o uso de baterias de lítio é uma das nossas melhores opções. Além disso, precisamos de substituir o uso de combustíveis fósseis para veículos e usar mais eletricidade renovável. Isso levou a um aumento exponencial na fabricação de baterias, sendo o lítio um elemento-chave para uma parte essencial da transição energética.
O lítio é um elemento muito comum e existe em abundância no planeta. No entanto, até recentemente, não havia muita procura e não temos minas suficientes para cobrir as novas necessidades geradas pela transição energética. É por isso que, com o aumento dos veículos elétricos e das energias renováveis, procuramos novas jazidas desse elemento ao redor do mundo para que possam ser extraídas. A maior quantidade de lítio está no mar, dissolvida na água. No entanto, está tão diluído e em tais quantidades que seria necessário tratar enormes quantidades de água (basicamente evaporá-la) e o custo não compensaria o rendimento. É por isso que as principais áreas de interesse são as que contêm salmoura: água com maior teor de sal do que a normal água salgada do mar. A origem mais comum da salmoura é a evaporação da água salgada em áreas que foram isoladas do oceano. Com a salmoura, a natureza já fez grande parte do trabalho de evaporação para nós.
Se toda a água se evaporar, formam-se depósitos sólidos de sal. A geologia dá-lhes o nome de “evaporitos”, justamente por serem provenientes desse processo. O processo inverso também pode ocorrer, quando água doce é adicionada a esses evaporitos (por exemplo, um rio ou lago se forma acima deles) e os depósitos são dissolvidos, transformando-se novamente em salmoura. Nos casos em que existem depósitos de salmoura subterrânea, podemos perfurar e bombear a salmoura, pois está no estado líquido. Para os casos de sais semissólidos ou sólidos misturados com sedimentos e rochas, podemos injetar água nos furos para dissolver os sais e depois bombear essa água, que foi transformada em salmoura. Esse é um dos novos mecanismos que estão a ser usados para obter o lítio, para além dos métodos tradicionais, como a mineração de evaporitos sólidos e o aproveitamento dos depósitos de salmoura existentes.
Uma propriedade importante da água é que quanto mais quente, mais sais dissolvidos ela pode conter. É aí que reside a conexão com o calor geotérmico. Como discutimos acima, a água muito quente pode ser bombeada e energia térmica retirada dela. Se a central geotérmica estiver localizada numa área com salmoura, podemos aproveitar a água (que é salmoura) que está sendo bombeada para extrair lítio, assim como calor. Depois, a água é injetada de volta no subsolo para dissolver mais evaporitos e ser novamente aquecida pela terra. Quanto mais quente fica a água, maior quantidade de lítio podemos extrair de cada litro de salmoura. Isso rende um maior lucro do que se a água for injetada em sedimentos e rochas a uma temperatura normal. Essa situação em que todos ganham colocou as centrais geotérmicas em destaque como um meio de extrair esse elemento valioso. Elas aproveitam o calor dentro do planeta para gerar energia elétrica e, ao mesmo tempo, são um potencial fonte de lítio.
O Mar de Salton é único porque reúne todos esses elementos. Por um lado, temos a famosa Falha de San Andreas, que separa as placas tectónicas do Pacífico e da América do Norte. Como na maioria das extremidades das placas tectónicas, a área do Mar de Salton, conhecida como Vale Imperial (que se estende por 250 km), mostra sinais de vulcanismo e atividade geotérmica. Esta atividade geotérmica é aproveitada por diversas centrais elétricas, tanto nos EUA quanto no México. Além disso, devido à sua particular história geológica, o Vale Imperial foi uma área em que a água do mar evaporou. Originalmente, há milhões de anos, esta área fazia parte do oceano. O avanço progressivo do rio Colorado a partir do Norte isolou lentamente do oceano o que se tornaria um vale, criando um novo mar interior que gradualmente se evaporou. O rio depositou sedimentos no vale, que se misturaram com a salmoura que ali se formou. Hoje, a área do Mar de Salton está abaixo do nível do mar, e há um lago que se formou ali devido a um acidente no início do século XX. Durante dois anos, o rio Colorado desaguou na depressão por causa de um canal de irrigação que não foi construído com medidas de segurança suficientes, e levou dois anos inteiros para os engenheiros corrigirem o problema de modo a fazer com que a foz do rio desaguasse novamente no Golfo da Califórnia.
Esta combinação de eventos faz com que a área do Mar de Salton se torne numa grande oportunidade para a construção de centrais geotérmicas que possam fazer uso dos recursos naturais presentes nela. É possível perfurar para obter vapor e água quente numa área de significativa atividade geotérmica. Além disso, é possível usar essa mesma água quente, que na verdade é salmoura, para extrair lítio e vendê-lo, assim como a eletricidade. Combinando as duas ações, poderão evitar completamente o uso de combustíveis fósseis e liderar a transição energética para um futuro totalmente renovável.
Marc Belzunces (Barcelona, 1976). Geólogo formado pela Universidade Autónoma de Barcelona e mestre em Ciências do Oceano pela Universidade Politécnica da Catalunha. Foi investigador no Conselho Nacional de Pesquisas de Espanha e consultor em poluição da Agência Catalã de Águas e do Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente de Espanha.
Saiba mais sobre o jogo de tabuleiro SSalton Sea aqui.